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Unicismo

UNICISMO

Aldo Menezes

Histórico

A origem do Unicismo remonta ao final do século II d.C. Presos ao monoteísmo judaico, alguns cristãos achavam difícil crer na doutrina trinitária, mas não queriam abrir mão da divindade de Jesus. Assim, para resolver a questão, raciocinaram: Há um só Deus, o Pai, e se Jesus é Deus, logo ele é o Pai (Patripassionismo: pater = pai, passio = sofrimento). Como a Bíblia também fala no Espírito Santo, e o apresenta como Deus, então Jesus também é o Espírito Santo. Negando a doutrina da Trindade, que afirma que em Deus há três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, distintos um do outro, mas com uma mesma essência, substância, diziam que em Deus havia uma única pessoa: Jesus. Ele é o Pai (concepção chamada de Hyopáteres: hyós = filho, daí o Filho é o Pai), o Filho e o Espírito Santo. As três designações são apenas três modos que o único Deus utilizou a fim de se revelar à humanidade: no Antigo Testamento, revelou-se como Pai; na Encarnação, como o Filho, e no Pentecostes como o Espírito Santo. Esse ensino, também conhecido como modalismo (derivado da palavra modo) ou sabelianismo ( de Sabélio [1] seu principal defensor, foi rechaçada pela Igreja por volta do ano 260 d.C.

Séculos depois, em abril de 1913, numa reunião do Movimento Pentecostal em Arroyo Seco, nas proximidades de Los Angeles, Califórnia, EUA, o unicismo foi ressuscitado, quando um dos preletores, Robert E. McAlister [2] , pregou um sermão batismal afirmando que os apóstolos não batizavam em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, mas em “nome de Jesus”, pois esse é o nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Esse sermão influenciou um dos participantes, John G. Schaepe [3] , a anunciar no dia seguinte ter recebido uma “revelação” divina confirmando o sermão de McAlister.

A partir daí, o Movimento Pentecostal (cujo início data de 1900) dividiu-se em Pentecostais Unicistas, que ensinavam que as pessoas deveriam ser batizadas em nome de Jesus e que, conseqüentemente, passaram a ensinar que a doutrina da Trindade era confusa e antibíblica e um atentado ao monoteísmo, e em Pentecostais Trinitarianos, que repudiaram tanto o sabelianismo, quanto a mudança da fórmula batismal, enfatizando que o batismo deve ser ministrado tal como registrara o apóstolo Mateus (28:19,20) há mais de 1860 anos (até então).

No Brasil essa corrente doutrinária é representada pelos seguintes grupos: Igreja Pentecostal Unida do Brasil [4] , ligada à United Pentecostal Church International (Igreja Pentecostal Unida Internacional ), que surgiu em 1945; o Ministério Voz da Verdade, que originou-se do grupo anterior, na década de 80; o Tabernáculo da Fé, surgido na década de 30, entre outras.

Escrituras

Os grupos que formam o unicismo usam o Antigo e Novo Testamentos; porém, para sustentar as suas doutrinas acerca de Deus e do batismo em nome de Jesus, freqüentemente usam alguns versículos da Bíblia isoladamente, deixando de lado critérios indispensáveis para uma boa interpretação das escrituras. Normalmente exaltam a pessoa do fundador do movimento (como é o caso do Tabernáculo da Fé [5] ) ou seus líderes como possuidores de “revelações” sobrenaturais acerca de assuntos relacionados com a fé.

Deus

Em Deus há somente uma pessoa, chamada Jesus Cristo. A doutrina da Trindade, argumentam, revela a influência do paganismo na mentalidade dos cristãos. Trata-se, segundo dizem, de uma doutrina antibíblica, confusa e diabólica, que tem como propósito invalidar a unicidade de Deus.

Jesus

Jesus é o Pai. Ele não é o Filho eterno, gerado de seu Pai antes da fundação do mundo (como ensina o Credo Niceno [6] ). O Filho só veio a existir quando nasceu em Belém. O Filho nada mais é do que a natureza humana, na qual o pai habitava. “Eu e o pai somos um” (João 10;30) e “Quem vê a mim, v6e ao Pai” (João 14:9), são passagens prediletas dos unicistas para defenderem sua posição cristológica.

Espírito Santo

É o próprio Jesus Cristo.

Salvação

De modo geral, os unicistas crêem que a salvação não depende exclusivamente da fé em Jesus, mas da forma correta de batizar, ou seja, em nome de Jesus. Os que se batizam em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, por mais que tenham fé, não alcançarão a salvação. Para outros unicistas ( como a Igreja Pentecostal Unida), é preciso adicionar o “dom de línguas”, para que o indivíduo esteja apto para receber a salvação. Alguns, porém, como o Ministério Voz da Verdade, declaram que a fórmula batismal não importa para se alcançar a salvação, nem para impedir o convívio com os trinitarianos, embora não deixem de enfatizar que não podem aceitar a doutrina da Trindade.

Vida após a morte

Os que “aceitam Jesus como Salvador” e são batizados em seu nome irão para o céu. Os que não aceitaram a Jesus ou os que se batizaram em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, revelando crer na Trindade, irão para o inferno; mas, como foi dito no item anterior, esse pensamento não é comum a todos os unicistas.

Informações adicionais

· Normalmente são muito legalistas (há exceções): transformam usos e costumes num cavalo de batalha para combater as igrejas trinitarianas.

· Razões pelas quais batizam em nome de Jesus:

1. Em Mateus 28:19, Jesus mandou que os discípulos batizassem em nome do pai, do Filho e do Espírito Santo. Em atos 2;38 encontramos os apóstolos batizando em nome de Jesus, porque Jesus é o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

2. Jesus é um nome próprio, enquanto que “Pai”, “Filho” e “Espírito Santo” são apenas títulos.

3. Jesus disse em Mateus 28:19 “em nome” (singular) e não “nos nomes”(plural).

4. Em nenhuma parte da Bíblia encontramos os apóstolos batizando as pessoas “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, mas somente “em nome de Jesus” (Atos 2:38; 8:16; 10:48 e 19:5).

Vocabulário

· Carne – outro nome para a natureza humana de Jesus, conhecida como o “Filho”, dentro da qual o Pai, ou a Divindade, habitava.

· Filho – refere-se à “carne” de Jesus, sua natureza humana.

· Jesus – o nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo são três manifestações dele.

· Deus – termo aplicado exclusivamente ao Pai.

NOTAS:
[1] Sabélio era de origem africana e chegou a Roma por volta do ano 217 d.C. Nesse tempo ele começou a pregar e defender o seu ponto de vista conseguindo arrebanhar um grande número de seguidores. Posteriormente Sabélio foi excomungado por Calisto, bispo de Roma, e fugiu para o Oriente, e mais tarde para o Egito, onde morreu em 260 d.C. A seita herética por ele fundada sobreviveu até o século IV – FRANGIOTTI, Roque – História das heresias; séculos I – VII: Paulus, 1995, pp. 49;51.

[2] Robert Edward McAlister (1880 – 1953). Pastor e diretor das Assembléias Pentecostais do Canadá, nasceu e foi criado num lar presbiteriano. Posteriormente participou de encontros em Azusa Street, em Los Angeles, no ano 1906, retornando ao Canadá como um pentecostal verdadeiramente entusiasmado. Ele é lembrado , dentro de sua denominação, como aquele que deu o grande impulso para o ressurgimento do unicismo. – BURGESS, McGEE & ALEXANDER – Dictionary of Pentecostal and Charismatic Movements: Zondervan, 1988, p. 566.

[3] John G. Schaepe (1870 – 1939). Descendente de alemães luteranos, Schaepe viveu longe do convívio eclesiástico até o ano de 1903, quando se juntou a uma missão do Exército de Salvação em Honolulu, Havaí. Alega-se que ele foi batizado “no Espírito Santo” quando do reavivamento em Azusa Street. Participante do Apostolic Faith Worldwide Camp Meeting (Encontro Mundial da Fé Apostólica), Schaepe sentiu-se suficientemente inspirado pela pregação de McAlister sobre o “batismo em nome de Jesus” . Até a sua morte, Schaepe nunca se afastou do lugar onde o movimento unicista ganhara novo ímpeto. Ibidem, p. 768.

[4] A Igreja Pentecostal Unida do Brasil não deve ser confundida com a Igreja Unida, que também é pentecostal, mas não abraça as idéias do sabelianismo.

[5] O Tabernáculo da Fé foi fundado por William Marrion Branham (1909 – 1965). Branham alegava ter o dom de discernir doenças e ler pensamentos das pessoas. Ele também insistia em rebatizar pessoas que haviam sido imersas em água com a fórmula trinitariana. Era ensino seu a doutrina da “semente da serpente” – Eva pecara relacionando-se sexualmente com a serpente, resultando em seres humanos descendentes do diabo que estariam destinados ao inferno. Já a “semente de Deus” seriam aqueles que aceitassem os ensinamentos de Branham, sendo conseqüentemente, predestinados a se tornarem a “noiva de Cristo”. William Branham proclamava-se o anjo de Apocalipse 3:14 e profetizou que em 1977 todas as denominações cristãs seriam engolidas pelo Concílio Mundial de Igrejas (CMI) sob o controle da igreja de Roma, ocorrendo então o arrebatamento. Infelizmente, Branham não viveu o suficiente para ver a sua falsa profecia ser completamente desmascarada. Mesmo assim, muitos de seus seguidores aguardaram a sua ressurreição, já que para alguns ele era o próprio Deus. Ibidem, pp. 95,96.

[6] O Credo Niceno foi promulgado em 325 d.C. pelo Concílio de Nicéia para defender a fé cristã da heresia ariana (que negava a Trindade) e para afirmar que o Pai e o Filho são de uma mesma essência. Eis o que o Credo afirma a respeito da Trindade:

“Creio em um só Deus, Pai Onipotente, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em um só Senhor Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus; gerado de seu Pai antes de todos os mundos, Deus de Deus, Verdadeiro Deus de Verdadeiro Deus; gerado, não feito; consubstancial com o Pai; por quem todas as coisas foram feitas”.

LIVRO DE ORAÇÃO COMUM – Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, 1988, p. 59.